quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Viva la opression!


Democracia: é deixar que um bando de tolos tome a decisão que um cretino poderia tomar sozinho

Quando falamos em Ditadura, os ouvintes logo pensam em 1964, para o Brasil, e em múltiplas datas para o resto do mundo. Poucos são os países que não possuem um momento autoritário em sua história. Alguns ainda vivem esse período tão condenado pela democracia e outros dão graças a Deus por ele já ter passado.

Levada pelo senso comum, afirmei exaustivamente que todos abominavam a Ditadura Militar, a que ocorreu no Brasil em 64. Ingenuamente acreditei que esse momento não era desejado por ninguém, que muitos preferiam nem ouvir falar dos tempos de chumbo. Novamente, cometi o grave pecado de generalizar. Por mais que eu já tenha ouvido piadinhas de como a ditadura é “boa”, ainda não havia escutado nada tão claro e direto como o que ouvi essa semana.

Quando estou em época de prova, costumo ir para casa de minha tia e discutir o tema com ela. Nesse caso, eu estava revisando história e cheguei a meados da década de 60. A casa estava bem cheia, todos reunidos na sala, três tias e um tio. Foi então que perguntei: como era na época da Ditadura Militar? Vocês lembram como foi o Golpe?

Juro, por tudo que é mais sagrado, que esperava as respostas convencionais: “foi horrível”, “não quero nem falar nisso”, “momento terrível”. Contudo, minha família não é nem de longe convencional e as réplicas foram: “bons tempos”, “queria tanto que tudo voltasse”, “saudade de Figueiredo”. Parei tudo. Fechei os livros e sentei no sofá, prestando muita atenção nos tiranos aristocráticos de minha família, uma experiência incrível e medonha, diga-se de passagem.

Uma das tias opinou no seguinte sentido: “lembro, como se fosse hoje, quando o AI-5 começou a entrar em vigor, fechar aquele Congresso foi a melhor das decisões, sempre gostei muito de Costa de Silva, mas ninguém supera Figueiredo, só achei que ele poderia ter sido mais linha dura”

Meus olhinhos chegavam a brilhar: “Tia e a censura? Vocês não tinham medo?”

Sem demora uma outra tia já se exaltava cortando a primeira, característica básica da minha família. “Claro que não, hoje eu acho que a imprensa está muito livre, muito solta, escreve o que quer, fala o que bem entende. Naqueles anos o governo vigiava tudo, nada era publicado sem antes passar pela peneira do regime”

A primeira emendou: “Éramos muito mais seguros que hoje, a polícia batia sem dó, não tinha essa de Direitos Humanos pra lá, Direitos Humanos pra cá. Aqui na cidade tínhamos o vasquinho, um carro que ia passando pela rua, rondando os cantos pra ver se algo errado estava acontecendo. Seu avô, quando o vasquinho passava, ia jogar xadrez e baralho dentro de casa, em silêncio porque se eles pegassem...”

A minha pessoa ainda estava um tanto quanto atordoada, porém consegui, com muita dificuldade, pronunciar algumas palavras: “Era só um jogo bobo. Além do mais, os Ditadores faziam isso porque esses jogos estimulavam o raciocínio e eles não queriam que o povo se rebelasse contra esse sistema.”

Agora o tio resolveu pronunciar-se: “Também acontecia comigo, eu e meus colegas preferíamos nem jogar, seu avô ainda arriscava, eu não. Se o governo não queria, havia de ter um motivo, eles sabiam o que estavam fazendo, diferente dessa política de hoje que qualquer um é eleito por esse bando de analfabetos”

Caríssimo leitor, não se assuste. Muitas ofensas sobre o povo brasileiro em geral ainda estão por vir. Chocada e quieta permaneci e a primeira tia voltou a falar: “Concordo, hoje esse governo assistencialista dá comida em troca de voto, pelo menos naquela época só os melhores eram escolhidos, por gente seleta, para comandar a nação. Hoje, qualquer um vira deputado, prefeito, senador e até presidente. Antes não”

Hesitei mas prossegui: “Tia, mas eles proibiam os jogos pro povo não pensar, pra todo mundo não refletir sobre o que estava acontecendo. Dessa forma ninguém poderia escolher o que queria pro país, era um regime muito totalitário”

Dessa vez ela mesma tomou a frente e fez o discurso que daria fim a tenebrosa conversa: “E quem te disse que o povo sabe escolher o que é melhor? Você acha mesmo que um nordestino miserável que vive da esmola desse governo corrupto e vota só porque é obrigado ou porque sabe que vai receber algo em troca, sabe mesmo o que é melhor pro país? (assim que ela falou, não tenho nado contra os nordestinos). Pra que o povo tem que pensar? Isso só pioraria as coisas, porque ninguém pensa conjuntamente no bem da nação, pensa no próprio bem, isso sim. E os que sumiram, bem feito! O regime autoritário reprimia esses arruaceiros que não sabiam nem o que queriam pra vida deles, quanto mais pro futuro da nação. O povo não sabe de nada, acha que sabe de alguma coisa, mas não sabe.”

Encostei-me ao sofá macio e fui me diminuindo, eu poderia até discutir, entretanto preferi refletir e rever meus conceitos idealistas. Achava que eles eram os tiranos autoritários, contudo percebi que eu poderia muito bem ser classificada como rebelde de merda, manifestante marxista parva, ativista estudantil ineficaz ou até mesmo democrata hipócrita. Sabe como conclui isso? Observando o que virou a política no Brasil depois da Ditadura.

A cada dia, aquela definição de democracia que coloquei no início do texto torna-se mais pertinente.

2 comentários:

Felipe Ribeiro Sant'Anna disse...

Lara, esse post seu foi muito bom, como todos os outros que já pude ler.
Esses comentários dos seus tios me deixam um pouco preocupado, principalmente pelas palavras preconceituosas que eles disseram.
Mas também me deixaram feliz, pois mostra a diversidade de opniões que temos sobre um determinado tema.
Só sei que, assim como você (assim espero) sou idealista, e sempre defenderei a liberdade, está lá no juramento que fiz:
" - E, acima de tudo, juro defender a liberdade, pois sem ela não há Direito que sobreviva, justiça que se fortaleça e nem paz que se concretize."

Marcela Cunha disse...

Suas tias são uma comédia, isso é fato, acho que agora toos vão saber desse detalhe. Bom saber que você reativou o blog

beijão flor

;*