terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Discurso sobre a adversidade


Durante diferentes épocas do ano, Juvêncio deixa sua casa e segue para a lavoura, ficando muito tempo por lá. O pobre homem trabalha incontáveis árduas horas por dia e ao final de uma exaustiva jornada recebe seu ínfimo pagamento. Ele então deveria pegar esse dinheiro e comprar mantimentos para sua casa. No entanto, mais da metade dessa quantia era sempre gasta com bebidas. Alcoólatra, ele não poderia deixar de sustentar seu vício, portanto, consomia quase toda sua remuneração, que mal dava para alimentar sua família e, por vezes, sua mulher e filhos passam fome e necessidades.

Toda vez que Juvêncio ia receber o salário, observava seu patrão e deseja ter a vida que ele tinha.Roberto, o empregador, possuia vastas terras produtivas e muitas cabeças de gado. Era exatamente assim que o miserável trabalhador ansiava ser.

Todavia ele não sabia que Roberto era extremamente infeliz, mesmo sendo bem sucedido em seu trabalho, a vida não lhe sorriu em outros aspectos. Sua única filha adoecera e nenhum tratamento poderia curá-la. Em seus rompantes de loucura, o fazendeiro queria queimar tudo o que tinha e abandonar todas as suas posses, porque nada poderia salvar a vida da menina. A cada dia a dor desse homem aumentava e ele desejava morrer para, finalmente, encontrar sua mulher que, também, enferma faleceu ainda nova.

Uma vez por mês Roberto reunia-se com outros empresários da capital. Nesse período ele reencontrava um grande amigo, Walter, um executivo brilhante, que estava sempre com um sorriso radiante estampado no rosto. Nas visitas que Roberto fez a Walter ele pode notar que sua família era perfeita, uma linda e doce esposa e uma filha, ainda pequenina, porém extremamente adorável. Por diversas vezes, o triste homem chorou invejosamente, porque não foi agraciado como seu amigo, que além de feliz na sua vida profissional, também era na pessoal.

Certa feita, em um almoço, Walter confidenciou a seu amigo que o admirava por saber lidar com tantos ramos e, também, o invejava por ele saber administrar tantos funcionários. Desiludido Roberto nem chegou a sorrir mediante ao elogio, somente emendou dizendo que, na verdade, ele era um absoluto fracasso. Indignado o executivo chorou ao mencionar que o fracassado da mesa era ele próprio. Sem entender, o fazendeiro perguntou o que havia acontecido. Então Walter suspirou profundamente e contou que sua mulher estava indo embora de casa, ela queria a separação e iria levar sua filha com ela. Nesse momento, o homem debulhava-se em lágrimas dizendo que passou a maior parte de sua vida trabalhando, para tentar dar uma vida excelente para sua família, porém ao entregar-se a seus afazeres ele não percebeu o tempo passar e nem pode ver sua filha crescer. Hoje a menina, já com seus 5 anos, mal o chamava de pai.

Roberto voltou para casa no interior e, ainda estupefato com a conversa que tivera com o amigo, constatou que mesmo mediante a todas as suas dificuldades, ele aproveitou todos os momentos com sua esposa e filha e era, portanto, muito venturoso. Chegou a pensar que era feliz só por isso e depois de muito tempo sorriu.

Quando voltou a suas atividades na fazenda, um de seus empregados correu para avisar-lhe que encontrou um homem morto no canavial. Esse homem era Juvêncio, que depois de embebedar-se durante a tarde toda, caiu e por ali ficou até morrer. A esposa do alcoólatra estava em cima do corpo chorando e os cinco filhos pequenos só observavam. Aos prantos a mulher berrava que ele nunca foi homem pra nada, nunca levava dinheiro pra casa, um verdadeiro canalha

Roberto ao presenciar aquela cena e depois recordar-se de seu almoço com o amigo chorando, sentiu-se culpado por pensar que possuía uma vida complicada, refletiu que existem problemas muito piores que o dele, aliás, não existem piores nem maiores que os de ninguém. Cada um tem o seu e este é ruim para quem o tem. Talvez outros poderiam resolver melhor as complicações que Walter e Juvêncio possuíam na vida, mas esses outros também acham que possuem problemas insolúveis, que Walter e Juvêncio poderiam resolver rapidamente. É muito particular e específico, daí a crueldade das adversidades.

Todos têm problemas, porém é inato de cada ser humano achar que os seus são sempre maiores que os dos outros e ainda perdem tempo comparando e martirizando-se, ao invés de procurar maneiras plausíveis de solvê-los. Na verdade, os problemas, assim como muitas outras coisas, podem ser divididos e classificados entre: os que são difíceis e podem ser resolvidos com esforço, os simples que nós mesmos complicamos e, por fim, os mais penosos, numerosos e controversos que, em geral, possuem soluções inimagináveis ou facílimas de serem encontradas, estes são os problemas que nós mesmos criamos.

Acredite, passamos a maior parte de nossas vidas criando adversidades que nós teremos de enfrentar e algumas delas são tão árduas que podem destruir-nos por completo. Por isso, pense antes que criar um problemas, ele pode,sim, ser o último.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A adúltera


Em uma colina havia um fabuloso castelo e lá vivia um riquíssimo homem, Oswaldo, juntamente com sua libidinosa esposa, Amélia. O casal contava com a assistência de muitos empregados, por vezes, desnecessários, visto que os dois não possuíam filhos e a mansão encontrava-se, quase sempre, vazia.

Amélia, apesar da avançada idade, era bonita, bastante sedutora, obtinha facilmente tudo o que queria e não poupava esforços para trair seu marido. Seus planos concupiscentes eram, em geral, perfeitos e bem simples. Para evitar que o torpe cônjuge desvendasse todas suas estripulias, ela tratou de não se afastar dele, pelo menos não por muito tempo. A melhor forma de traí-lo era não deixar a casa, então arrumou um hobbie, Amélia era responsável pela contratação dos empregados que, é claro, eram todos homens.

Todos os dias a insaciável mulher tratava de inventar novas ocupações inúteis a serem preenchidas, como: carregador de uvas, limpador de sapatos, secador de talheres, amaciador de almofadas e muitas outras. Porém, ela não sabia que seus encontros secretos, em breve seriam desvendados, por um magoado servo, Edson, um jovem portador de uma beleza inigualável, que fora deixado de lado por sua patroa, que passou a dar atenção aos novos amantes e o esqueceu.

Certo dia, a mulher acordou, caminhou até a varanda e, observou seu mais novo contratado. Um rapaz belíssimo, que ela havia encontrado em uma de suas tardes de verão. Ele só deveria passear com o feroz cachorro da nobre dama. Bem disposta, já nas primeiras horas do dia, Amélia acenou, para que o garoto subisse até o aposento dela. Todavia, o jovem respondeu que não poderia fazê-lo, uma vez que não seria prudente deixar que o perigoso animal ficasse só. Mas que depressa, a ávida senhora ordenou que ele viesse rapidamente, com cachorro e tudo.

Sem pestanejar, ele subiu as escadas com o bicho à tira colo, que deixou suas pegadas de lama na tapeçaria. Entrou no quarto e a lascívia mulher teve seus sonhados momentos matinais. No entanto, para sua surpresa, de repente ela escutou fortes batidas na porta de seu quarto. Assustada levantou-se rapidamente ao ouvir os berros de seu marido. Sem outra saída, fez seu amante pular do 5° andar e ofegante abriu a porta para Oswaldo.

O homem adentrou aos aposentos juntamente com Edson, o empregado traído, e berrando exigiu explicações sobre a cena.

- O que estava acontecendo aqui?

Amélia, ainda tentando processar o grande número de acontecimentos, apenas suspirou dizendo calmamente:

-Que susto Oswaldo! O que é isso? Eu acabei de levantar, que pergunta!

Edson que queria a vingança a qualquer custo procurava desesperado o rapaz que deveria estar no local do crime. Porém não o encontrou. O marido então resolveu expor a denúncia que havia sido feita:

-Este rapaz disse que você anda me traindo Amélia e me fez entrar aqui para pega-la no flagra. Todavia, creio que minha vinda foi inútil.

A mulher, com toda sua falsidade, franziu o cenho como se não soubesse o que estava acontecendo e, em seguida, indignou-se com tamanha falta de confiança e respeito. Entretanto, para a sua decepção um latido ecoa e um enorme animal surge de trás da cama, o cachorro.

Então o vingativo subalterno percebe que aquela é a única chance que ele possui de incriminar a adultera senhora.

-Esse cachorro é o que o empregado deveria estar tomando conta. Ele veio junto com o cão para o quarto dela. Isso explica muito bem as pegadas na tapeçaria.

Oswaldo sem saber o que fazer espera uma reação de sua esposa, que sorri e trás o enorme animal para perto de si.

-Ora, pelo amor de Deus! Isso não é um cachorro é um gato, onde já se viu? Como você ousa falar assim do meu bichano. Todas as manhãns ele mesmo sobe até meu quarto para me fazer companhia. Todos sabem que meu marido trabalha muito e, por isso, sinto-me muito solitária. Acho que esse empregado precisa fazer exame de vista Oswaldo, como ele pode confundir meu gatinho com um cachorro.

Amélia ergue-se na cama, mostrando suas perfeitas curvas e seus sedosos e ondulados cabelos. Com muito charme sentou-se e cruzou as pernas esperando o decreto de seu companheiro

O ingênuo servo tenta argumentar de todas as maneiras. Diz que a mulher só pode estar ficando louca, porque um cachorro daquele tamanho nunca poderia ser um gatinho. Ela apenas balança a cabeça em tom de piedade e olha melancólica para seu marido.

Oswaldo olhou para a atraente Amélia e suspirou

-Belo gatinho, eu ainda não havia notado ele antes. Dessa vez deixarei que você tome as devidas providencias.

Edson ficou perplexo mediante a tal evento. Ficou parado enquanto o homem ia embora andando tranquilamente pelas escadas. Amélia então esbravejou:

-Saia daqui imediatamente, seu pérfido inútil!

O pobre saiu de cabeça baixa pelos enormes corredores e deu de cara com todos os demais empregados que o olhavam com desprezo. Amélia fez questão de segui-lo até as escadas. Quando ele pisou no primeiro degrau ela o empurrou sem nenhuma piedade. Edson saiu rolando degrau a baixo e chegou morto no último lance de escadas. Com um sorriso prepotente ela berrou em alto e bom som e saiu.

-Que isso sirva de lição!

Bartolomeu, o mais antigo trabalhador da casa, já conhecia os excessos da patroa e correu atrás dela para informar-se sobre o que fazer com o corpo estirado no meio da entrada

-Esquarteje-o! Assim fica mais fácil esconder.

-E onde posso jogá-lo?

-No lixo, é pra onde ele merece ir.

Bartolomeu saiu rapidamente, com medo que a raiva da mulher o contaminasse. Ele já havia presenciado essa cena anteriormente. Muitos já tentaram denunciá-la, mas seus patrões apenas viam o que lhes interessava e quando era oportuno. Nesse estagio avançado de sua idade pra quê Oswaldo iria expulsar sua belíssima cônjuge de casa. Isso apenas traria escândalos para o nome de sua família.

O velho empregado sabia muito bem de tudo isso, porém os mais novos tentavam mostrar a verdade a um cego que não queria ver e mal sabiam que: em casa de senhor, cachorro é gato e servo é lixo.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Grandes trocas


Em uma fazenda invejável morava uma senhora, chamada Prudência, que vivia solitária. Ao longo de sua vida, ela plantou maravilhosas árvores, cultivou diversos tipos de alimentos e construiu, com muito esforço, uma enorme casa.

Entretanto, dentre todas essas conquistas, a que ela mais gostava de relembrar eram os animais. Durante sua infância e juventude, a corajosa mulher dedicou-se a caçar animais selvagens e a dominá-los. Hoje, como já era bem idosa, possuía uma extraordinária coleção de bichos de diferentes espécies e tamanhos.

Todas as manhãs Prudência visitava o estábulo, onde estava o belíssimo cavalo chamado Prosperidade, que pertencia a uma raça de eqüinos selvagens. Tinha muito orgulho de olhar para Prosperidade e ter certeza de que o animal estava, agora, sobre seu total controle.

Ao lado, havia uma grande gaiola, que mantinha em cárcere um cachorro admirável, o pêlo era longo e pintado, os olhos que eram ferozes, deram lugar para uma mansa expressão. Esse era o Sucesso, um cão que viveu durante muito tempo no mato, longe de qualquer sinal de gente e agora se encontrava cercado por intransponíveis grades metálicas. Todavia, prender esse violento animal não foi tarefa fácil, por causa dele sua mão direita havia sido cortada profundamente, sem nenhuma piedade.

Esses eram os seus preferidos, mas por lá havia outros seres: o coelho Realização, a águia Ambição e o peixe Saudade.

Contudo, mesmo tendo todos esses diversificados bichos ainda faltava um. A gata selvagem que ela nunca conseguiu apanhar, ela era sempre tão veloz, ficava pouco tempo no mesmo lugar e não se prendia a nada. A velha mulher não conseguia entender, porque não conseguia agarrar aquela inofensiva gata, que parecia mais uma bola de pêlo de tão pequena.

Certo dia, a incansável senhora resolveu sair à procura da felina. Deu voltas e voltas por toda propriedade e nada. Até que viu o pequeno amontoado de pelos atravessar o enorme matagal. Felicíssima a mulher avançou, correu o mais rápido que podia pelo emaranhado de grandes matos. Então, cansada, parou e respirou fundo e, também, se deu conta de que estava em um vasto campo, que não possuía nenhuma folha se quer.

Nesse exato momento, um homem de aparência medonha aproximava-se com a gatinha em seus sujos e enrugados braços. Esperando receber o bicho em suas mãos a mulher estendeu a mão, porém o homem sorriu e disse:

- Essa gata pertence a mim.

Indignada a mimada velha exaltou-se, dizendo:

Dê-me a gata, dou-lhe tudo o que quiser, sou dona de grandes propriedades e de belos animais.

Satisfeito com a proposta o rabugento senhor pronunciou sem nenhuma consideração a seguinte frase:

- Quero todos os seus animais, todos. Em troca dou-lhe o bichano.

Temerosa, mas radiante com a possibilidade de conquistar seu maior desafio, ela balançou a cabeça em sinal positivo e falou:

-Meu nome é Prudência, minha fazenda fica após esse matagal, o senhor pode pegar tudo o que quiser. Desde que me dê a gata!

O velho entregou a gata vagarosamente e ao mesmo tempo pronunciou, em um breve sussurro:

- O nome dela é Felicidade, cuide com muito carinho.

As palavras dele lhe davam arrepio. Ela pegou a gatinha e seguiu até o lago que ficava mais a frente e sentou-se.

O velho medonho foi afastando-se aos poucos, ao chegar ao sítio ele apoderou-se da Ambição, da Saudade, da Realização, do Sucesso e da Prosperidade e sem pegar mais nada foi embora, arrastando-se.

Contente, Prudência ficou sentada perto do lago, quietinha brincando com a dócil Felicidade. De repente, um jovem com profundas olheiras aproximou-se e abordou a.

- Ei! Era você que estava conversando com aquele abominável

-Sim, era eu! Mas não o conheço. Nem ao menos sei seu nome.

-Medo, o nome dele é Medo. Ele é um velho comerciante. Anos atrás eu troquei com ele essa gatinha, a Felicidade, por um passarinho o Efêmero, que depois foi embora. Hoje não tenho mais nada, só essa pombinha, a Tristeza, que ninguém quer trocar, por nada nesse mundo. O que você deu a ele para conseguir a gata?

-Entreguei o coelho Realização, a águia Ambição, o peixe Saudade, o cachorro Sucesso e o cavalo Prosperidade.

-Então o Medo passou a possuir a Realização, a Ambição, a Saudade, o Sucesso e a Prosperidade. Vai ser bem difícil conseguir tirar tanto dele. Mas você trocou tanto por apenas uma?

-Achei que valeu a pena. Afinal, mesmo tendo tudo o que tinha, ainda sentia que faltava alguma coisa para completar-me. Agora, finalmente, encontrei. Valeu a pena

O rapaz ergueu-se e com todo seu pesar foi indo embora. Prudência levantou-se e perguntou a ele qual era o seu nome.

- Meu nome é Covarde.

Ela tirou do bolso de seu vestido um inseto de cor verde e entregou ao moço, que espantado questionou

- O que é isso?

-A única coisa que o Medo não levou. Chama-se Esperança, deve ajudar você em alguma coisa

-Ele sorriu e foi embora

Com tudo isso que acabara de ocorrer Prudência chegou a conclusão de que a vida não era feita de conquistas e sim de trocas. A vida é, na verdade, um conjunto de grandes trocas, quem não é feliz é porque certamente não soube trocar.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O sovina e os oportunistas


Em uma cidade pequena do interior havia uma imensa rocha, praticamente intransponível e ao redor dessa pedra existiam muitas outras, menores, médias e até bem grandes. Certa feita, um homem muito rico e sovina planejou esconder no topo dos pontiagudos rochedos toda a sua fortuna.Dessa forma, ele não teria que dividi-la com seus filhos e netos.

Então o homem começou a escalar pelos sinuosos caminhos e, com isso, acabou despertando a curiosidade de quem estava passando, algumas pessoas paravam tentando entender o que o conhecido senhor tentava fazer. A multidão só ia aumentando e com muita dificuldade o velho puxava suas sacolas de dinheiro, cheques milionários e outros títulos. No entanto, em meio a tamanha dificuldade acabou por deixar uma nota de 100 escapulir. A pequena e amassada nota foi flutuando até chegar ao chão. Toda gente da cidade se amontoou querendo saber o que era o tal papel que veio do céu.

Um ambicioso rapaz pegou o papel amassado e gritou: É uma nota de 100!

Rapidamente as pessoas do minúsculo povoado se deram conta de que o velho avarento estava levando sue dinheiro para o alto do arriscado rochedo. Ele ao perceber que uma de suas notas havia caído, também, se deu conta que o povo começou a cobiçar suas posses. Em uma atitude desesperada ele começou a empurrar as pedras que encontrava pelo caminho, buscando colocar entraves para os que vinham subindo. Devido ao desespero a maioria dos ambiciosos oportunistas acabou caindo e rolando pelas agudas rochas até a morte.

Cansado, porém vitorioso, o mesquinho senhor chegou a cume. Sorriu para os que estavam lá em baixo em tom de zombaria. Todavia, quando ele olhou para trás, se deu conta de que todo caminho estava interrompido, não havia como voltar. Vendo que seus bens estavam seguros, intocáveis, resolveu pular do ápice da montanha. Juntou-se aos demais ambiciosos

Contudo, um dos aproveitadores havia conseguido sobreviver, ele usava os corpos dos mortos para subir com mais facilidade. Assim, ele não se machucava, uma vez que aproveitava os outros caídos para chegar até o topo. Aos poucos conseguiu alcançar o dinheiro que o homem tentou incansavelmente esconder. Pegou sacos e mais sacos abriu um por um e para mostrar onde havia chegado jogou muitas notas pelos ares.

As pessoas o aplaudiam pelo extraordinário feito, ele rodopiava de felicidade, estava orgulhoso, agora ele mandaria na cidade, mataria todos os que um dia o humilharam, envergonharia até os mais abastados, seria o novo dono do mundo. Entretanto, quando o rapaz abriu mais um saco de notas chegou à beira da rocha e jogou ele, também tropeçou na última pedra que o velho sovina havia deixado. O breve sortudo caiu, e foi rolando pelas pedras. Teve o mesmo destino que o dono do enorme tesouro. Morreu.

Moral da história:

O achismo é cego e, por isso, não vê as pedras que estão pelo caminho

Viva la opression!


Democracia: é deixar que um bando de tolos tome a decisão que um cretino poderia tomar sozinho

Quando falamos em Ditadura, os ouvintes logo pensam em 1964, para o Brasil, e em múltiplas datas para o resto do mundo. Poucos são os países que não possuem um momento autoritário em sua história. Alguns ainda vivem esse período tão condenado pela democracia e outros dão graças a Deus por ele já ter passado.

Levada pelo senso comum, afirmei exaustivamente que todos abominavam a Ditadura Militar, a que ocorreu no Brasil em 64. Ingenuamente acreditei que esse momento não era desejado por ninguém, que muitos preferiam nem ouvir falar dos tempos de chumbo. Novamente, cometi o grave pecado de generalizar. Por mais que eu já tenha ouvido piadinhas de como a ditadura é “boa”, ainda não havia escutado nada tão claro e direto como o que ouvi essa semana.

Quando estou em época de prova, costumo ir para casa de minha tia e discutir o tema com ela. Nesse caso, eu estava revisando história e cheguei a meados da década de 60. A casa estava bem cheia, todos reunidos na sala, três tias e um tio. Foi então que perguntei: como era na época da Ditadura Militar? Vocês lembram como foi o Golpe?

Juro, por tudo que é mais sagrado, que esperava as respostas convencionais: “foi horrível”, “não quero nem falar nisso”, “momento terrível”. Contudo, minha família não é nem de longe convencional e as réplicas foram: “bons tempos”, “queria tanto que tudo voltasse”, “saudade de Figueiredo”. Parei tudo. Fechei os livros e sentei no sofá, prestando muita atenção nos tiranos aristocráticos de minha família, uma experiência incrível e medonha, diga-se de passagem.

Uma das tias opinou no seguinte sentido: “lembro, como se fosse hoje, quando o AI-5 começou a entrar em vigor, fechar aquele Congresso foi a melhor das decisões, sempre gostei muito de Costa de Silva, mas ninguém supera Figueiredo, só achei que ele poderia ter sido mais linha dura”

Meus olhinhos chegavam a brilhar: “Tia e a censura? Vocês não tinham medo?”

Sem demora uma outra tia já se exaltava cortando a primeira, característica básica da minha família. “Claro que não, hoje eu acho que a imprensa está muito livre, muito solta, escreve o que quer, fala o que bem entende. Naqueles anos o governo vigiava tudo, nada era publicado sem antes passar pela peneira do regime”

A primeira emendou: “Éramos muito mais seguros que hoje, a polícia batia sem dó, não tinha essa de Direitos Humanos pra lá, Direitos Humanos pra cá. Aqui na cidade tínhamos o vasquinho, um carro que ia passando pela rua, rondando os cantos pra ver se algo errado estava acontecendo. Seu avô, quando o vasquinho passava, ia jogar xadrez e baralho dentro de casa, em silêncio porque se eles pegassem...”

A minha pessoa ainda estava um tanto quanto atordoada, porém consegui, com muita dificuldade, pronunciar algumas palavras: “Era só um jogo bobo. Além do mais, os Ditadores faziam isso porque esses jogos estimulavam o raciocínio e eles não queriam que o povo se rebelasse contra esse sistema.”

Agora o tio resolveu pronunciar-se: “Também acontecia comigo, eu e meus colegas preferíamos nem jogar, seu avô ainda arriscava, eu não. Se o governo não queria, havia de ter um motivo, eles sabiam o que estavam fazendo, diferente dessa política de hoje que qualquer um é eleito por esse bando de analfabetos”

Caríssimo leitor, não se assuste. Muitas ofensas sobre o povo brasileiro em geral ainda estão por vir. Chocada e quieta permaneci e a primeira tia voltou a falar: “Concordo, hoje esse governo assistencialista dá comida em troca de voto, pelo menos naquela época só os melhores eram escolhidos, por gente seleta, para comandar a nação. Hoje, qualquer um vira deputado, prefeito, senador e até presidente. Antes não”

Hesitei mas prossegui: “Tia, mas eles proibiam os jogos pro povo não pensar, pra todo mundo não refletir sobre o que estava acontecendo. Dessa forma ninguém poderia escolher o que queria pro país, era um regime muito totalitário”

Dessa vez ela mesma tomou a frente e fez o discurso que daria fim a tenebrosa conversa: “E quem te disse que o povo sabe escolher o que é melhor? Você acha mesmo que um nordestino miserável que vive da esmola desse governo corrupto e vota só porque é obrigado ou porque sabe que vai receber algo em troca, sabe mesmo o que é melhor pro país? (assim que ela falou, não tenho nado contra os nordestinos). Pra que o povo tem que pensar? Isso só pioraria as coisas, porque ninguém pensa conjuntamente no bem da nação, pensa no próprio bem, isso sim. E os que sumiram, bem feito! O regime autoritário reprimia esses arruaceiros que não sabiam nem o que queriam pra vida deles, quanto mais pro futuro da nação. O povo não sabe de nada, acha que sabe de alguma coisa, mas não sabe.”

Encostei-me ao sofá macio e fui me diminuindo, eu poderia até discutir, entretanto preferi refletir e rever meus conceitos idealistas. Achava que eles eram os tiranos autoritários, contudo percebi que eu poderia muito bem ser classificada como rebelde de merda, manifestante marxista parva, ativista estudantil ineficaz ou até mesmo democrata hipócrita. Sabe como conclui isso? Observando o que virou a política no Brasil depois da Ditadura.

A cada dia, aquela definição de democracia que coloquei no início do texto torna-se mais pertinente.